Por Paulo Panayotis
Ilha de Antiparos, Cíclades, Grécia. “O polvo, dizem, é divino, supõe a chef Kula Ipadidi, do restaurante Bountaráki. É ela quem me indica o restaurante Samano, na pequena ilha de Antiparos, irma caçula da conhecida ilha grega de Paros.” Dizem que o chef Leonidas Koutsopoulos cozinha o octopus em “sou-vide” (Obs. técnica desenvolvida na França que consiste em cozinhar o alimento em baixa temperatura, dentro água, em envelopes de silicone lacrados por várias horas).
O pequeno Ferryboat que liga Paros a Antiparos leva cerca de cinco minutos para fazer o trajeto. Pego um dos primeiros da manha. Inacreditavelmente sem movimento por conta da pandemia, parcos sete ou oito veículos, incluindo o meu, esperam pelo ferryboat que desponta mar adentro. Pelo rápido percurso, duas pessoas e um carro, de qualquer tamanho, pagam dez euros e cinquenta centavos.
A pequena e descolada Antiparos dorme quando desembarco. Um silêncio celestial, observado por um sol inclementemente crescente, reina por todos os lados. Do porto, onde há uma dúzia e meia de pescadores conversando, fumando e tomando freddo capuccino, sigo direto para o centrinho da ilha. Deixo o carro estacionado em frente a uma pequena igreja azul e branca, primeira coisa que se avista ao chegar em Antiparos. De uma beleza ímpar, helênica, a cidade dorme, recolhida, renovando energias para o novo dia de verão. Lojas transadas, chiques, de marca, estão por todos os lados. Mas há também “cafeínos"(cafeterias) típicos, com mesinhas de madeira e cadeiras pintadas de azul.
Tudo, absolutamente tudo, com aquela estética do Egeu, das ilhas, da Grécia. Sem stress, percorro as ruas silentes enquanto, aqui e ali, lojas abrem suas portas e atendentes que parecem modelos de capa de revista varrem vagarosamente as entradas. Uma visita de um dia a Antiparos é suficiente para conhecer suas belíssimas praias, sua caverna com estalactites e estalagmites (infelizmente fechada por conta da pandemia), seus poucos e bem preservados museus e, claro seus restaurantes badalados quase todos ‘a beira mar de um azul único! Se resolver ficar mais de um dia, sugiro um passeio para a ilhota Despótico, onde há as ruínas de um santuário arqueológico bem preservado. - Como, sem água e há centenas de anos atras, alguém conseguia sobreviver, quanto mais construir em um lugar destes, penso comigo mesmo enquanto observo a ilhota ao longe. Um show á parte são os polvos e peixes pendurados dourando, ou melhor, secando ao sol grego.
Irresistíveis, os polvos são os carros chefes da culinária das ilhas gregas. Acreditem ou não, considero o polvo fresco grego o melhor do mundo. Tenho dupla cidadania. Sou brasileiro e grego. Mas, claro, isso não tem nada a ver com minha predileção pelo octopus helênico.
Bom, eu avisei…
O dia transcorre calmo, belisco algo aqui e ali até chegar a noite e a tão sonhada visita ao mais badalado dos badalados restaurantes da região. Novamente, por causa do coronavírus, consigo reservar uma mesa para o mesmo dia. O restaurante do badalado e superstar chef Leonidas Koutsopoulos está de portas abertas há apenas duas semanas. Oito e meia da noite, em ponto, chego, me apresento e sou encaminhado para uma mesa para duas pessoas. Talheres de qualidade, taças de cristal, raras em restaurantes por toda a Grécia, dão o tom do jantar. Na entrada do Samano, uma espécie de ‘pira” assa graúdos camarões. "Vou explicar o menu", inicia em inglês, o solícito garçom. -Falo grego, digo eu, ao que seu rosto se ilumina um pouco. "Ótimo, diz ele, então vou explicar o menu em grego".
- Vim aqui experimentar o polvo. Soube que é feito em sous-vide, correto? Então quero o polvo e nada mais, já que belisquei delicias gregas o dia inteiro, completo eu.
Claramente desapontado, o rapaz insiste. Agradeço. Observo o serviço que, imediatamente constato, não está engrenado. Conto as mesas. Mais de oitenta! Conto os garçons. Menos de dez. Algo não vai funcionar, penso comigo mesmo. Minha esposa pede um prato a base de mariscos. Dez minutos depois chega meu polvo. E somente ele. Esperamos pelo outro prato e nada. Dois minutos, três, cinco. Vou começar, digo eu, temendo que meu prato esfrie pois o jantar é a céu aberto. Tento cortar o tentáculo que parece saboroso e vem a primeira surpresa. Duro. Duro não, extremamente duro. Tento comer. Impossível. Com dificuldade, corto um segundo pedaço. Borracha pura! E o outro prato? Nada.
Serviço confuso no recém inaugurado restaurante do chef estrelado
Chamo o garçom que a esta altura corre para atender suas dez ou mais mesas. "Pois não? Está gostando do polvo?
-Está duro como uma pedra. Foi cozido lentamente em sous-vide? pergunto eu. Parecendo atônito, responde que o chef garante que sim.
-Impossível comer. Pode levar, digo eu.
Impasse! O garçom fica parado me olhando. Sorrio, e insisto, pode levar. Dez minutos depois, chega o prato de mariscos que, para falar a verdade, estava apenas correto. Nada inesquecível. Para melhorar o clima, peço duas taças de espumante grego. Mais dez minutos e aterriza um prato de uma massa típica grega com lagostim. "Oferta do chef", diz meio ressabiado o garçom. Embora correto, o lagostim esta cozido na casca. Com extrair o conteúdo? Inerte, frio, abandono o saboroso crustáceo inteiro.
Terminada a refeição, cancelo as taças de espumante que ainda não haviam chegado. Saio do restaurante com uma conta de 45 euros por dois pratos. Sem entrada, sem pão, sem bebida, sem serviço adequado. Caro não, caríssimo por ser na Grécia. Saio dando risada e pensando que nem ao menos vir a mesa o chef veio para tentar explicar o que ocorreu. Vocês dirão que por ser recém inaugurado, o serviço ainda não estava azeitado. Concordo. E quanto ‘a comida?
No dia seguinte, volto ao restaurante de Paros onde havia comido um polvo excepcional e, cuja dona, me havia indicado o Samano. “Que bom, vocês voltaram. Foram ao Samano?", pergunta ela antes mesmo de nos entregar o menu.
- Desista de ir, digo a ela sorrindo. O seu polvo dá de dez a zero no do Samano.
O chef Akis Karaioanoglu, que ouvia nossa conversa, se aproxima da mesa e diz: -"Claro, o chef estrela não cozinha há cerca de dez anos… vive se apresentando na TV. Virou astro e esqueceu as panelas", completa ele. Sabedoria grega. Pura e simples, penso comigo mesmo. Temos polvo? Sorrindo, o chef responde: fresquíssimo, saboroso e macio!!!
Fotos: Paulo Panayotis e Adriana Reis
Paulo Panayotis é jornalista especialista em turismo, mergulhador e fundador do Portal OQVPM - O Que Vi Pelo Mundo. Mora na Europa, tem passaporte carimbado em mais de 50 países e viaja com patrocínio e apoio Avis, Travel Ace e Alitalia.
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