Por Heródoto Barbeiro
O presidente reúne os jornalistas para uma entrevista coletiva. Anuncia que o governo patrocinará a produção de carros populares. A população reclama que os preços estão muito altos e com os juros, também nas alturas, não consegue comprar um veículo. As montadoras transplantadas para o Brasil dão todo apoio ao presidente. Os pátios das fábricas estão lotados e é preciso desovar o encalhe para retomar a produção. É, sem dúvida, uma medida populista uma vez que é transitória e todo mundo sabe que não vai durar. Do outro lado, o governo teme que as fábricas comecem a demitir em massa e isso vai detonar a imagem do governo e do presidente. Afinal, a região do ABC paulista concentra um número respeitável de sindicatos e boa parte da oposição tem origem ali. A indústria de autopeças, por sua vez, sem compradores, faz parte da cadeia de produção automobilística e se encontra na mesma situação.
As montadoras precisam remunerar os acionistas na Europa ou nos Estados Unidos. Não admitem que haja uma crise e as ações caiam nas bolsas de valores. Para garantir a rentabilidade, o setor sustenta um fortíssimo lobby em Brasília, que ora está no Palácio do Planalto, ora nos gabinetes de deputados e senadores. Todos sabem que o governo está com o cofre arrombado e precisa arrecadar mais impostos para cumprir os compromissos sociais garantidos na Constituição. Racionalmente não pode abrir mão da arrecadação de impostos, mas o populismo fala mais alto. O carro popular pode ficar mais barato e acessível às camadas mais pobres da população se o imposto for reduzido. O governo anuncia que vai reduzir o IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados a alíquotas mínimas. Com isso o preço cai, o público compra, as montadoras se livram do encalhe, os empregos são preservados e os sindicatos não vão se opor. É uma estratégia perfeita e isso pode até ajudar o presidente a se candidatar à reeleição. Ficaria melhor se os estados onde estão localizadas as fábricas também reduzissem o ICM, um pesado encargo na formação do preço de um carro.
As maiores montadoras já têm os modelos prontos. Para reduzir o preço dos carros, eles serão apresentados “pelados”, ou seja, sem uma série de acessórios que encarecem o produto. O presidente Itamar Franco, sucessor de Fernando Collor, se apresenta na fábrica da Volkswagen para dar início ao programa. Toda a mídia está lá para mostrar Itamar a bordo de um “Pé de Boi”, um fusquinha sem nenhum equipamento chamado de opcional, elevado à condição de o grande vilão dos preços inacessíveis. Mas é o que temos para hoje, dizem os membros do governo, que não prestam atenção às piadas sobre o carro. Há quem diga que o próximo passo vai ser acabar com o rádio transistorizado e a substituição por um novinho a válvula. O valor de um automóvel dito popular é de Cr$ 5.000,00. Outras montadoras entram na competição – a DKW com o Pracinha, a Willys com o Teimoso e Simca com o Profissional. Há um leque de opções para quem tem dinheiro na poupança, um dos locais preferidos da população para peitar a hiperinflação em que vive o Brasil. O programa deve ser de curta duração e os jornalistas especializados em indústria automobilística garantem que depois disso nunca mais o país vai voltar a inventar um “carro popular".
Heródoto Barbeiro é jornalista do R7, Record News e da Nova Brasil FM. Também é professor, Mestre em História pela USP e advogado pela FMU. Já passou pela TV Cultura, pela CBN e pela Globo. Você pode ver mais em www.herodoto.com.br
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