Por Roberto Maia
A campanha de arrecadação para quitar a dívida da Neo Química Arena completou dois meses. Mas ainda está longe de alcançar sua meta ambiciosa de R$ 700 milhões. Com pouco mais de R$ 35,8 milhões arrecadados até agora, o montante representa apenas 5,1% do total necessário. Após um início avassalador, no qual foram coletados R$ 15 milhões em apenas dois dias, o ritmo das doações diminuiu significativamente. Agora o desafio é conseguir engajar a gigantesca torcida corinthiana.
![A dívida atual do Corinthians com a Caixa Econômica Federal para quitar a Neo Química Arena é de R$ 710 milhões e o prazo do financiamento vai até 2041. (Foto: JP Drone/Reprodução Facebook Neo Química Arena)](https://static.wixstatic.com/media/28615e_5418a25fbb0241c7971e5308ca2e6e16~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_551,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/28615e_5418a25fbb0241c7971e5308ca2e6e16~mv2.jpg)
A história mostra que a torcida do Corinthians é capaz de feitos grandiosos. Desde as icônicas "Invasões Corintianas" ao Maracanã em 1976 e ao Japão em 2012, a Fiel Torcida é sinônimo de paixão e mobilização. Entretanto, a campanha atual expõe um cenário desafiador. Apesar de uma torcida estimada em mais de 30 milhões de pessoas, o engajamento tem sido muito baixo. Cerca de 800 mil doações foram registradas, com um valor médio de R$ 44 por doação.
Isso levanta questões sobre o motivo de a Fiel não estar colaborando em massa como muitos previam. O PIX, ferramenta utilizada para as doações, ainda não é acessível para todos. Muitos torcedores, especialmente aqueles menos familiarizados com a tecnologia, podem ter dificuldades em participar. Alternativas, como uma conta corrente, poderia ampliar o alcance da campanha.
Outro obstáculo é a desconfiança de parte da torcida. Décadas de gestões questionáveis e escândalos financeiros criaram um ambiente de ceticismo. Embora uma comissão fiscal independente garanta a transparência da arrecadação, convencer os torcedores de que os valores serão utilizados exclusivamente para o pagamento da dívida tem sido um desafio.
Para tentar impulsionar a campanha, iniciativas como a "Invasão Corinthiana nas Redes" buscam mobilizar a torcida por meio de influenciadores, ex-jogadores e personalidades públicas. A ideia de eternizar os nomes de doadores que contribuírem com mais de R$ 100 em um memorial na arena é um atrativo adicional. Porém, ainda não tem sido suficiente para transformar a vaquinha em um sucesso estrondoso.
Comparada a outras campanhas históricas do clube, a atual apresenta nuances diferentes. Em 1971, por exemplo, torcedores contribuíam com dinheiro depositado em barris de madeira para ajudar na contratação Paulo Cézar Caju, recém campeão mundial no México no ano anterior. Funcionários do clube colocavam os barris em diversos pontos da cidade para a coleta, onde o dinheiro era jogado dentro. O presidente do Corinthians à época, Miguel Martinez, teria anunciado, inclusive, a realização de uma “noite de vigília”, em frente ao Parque são Jorge com a cobrança de “pedágio” para quem quisesse contribuir.
Antigos conselheiros do Corinthians contam que sacos de dinheiro eram recolhidos diariamente e levados para o Parque São Jorge. Porém, para a frustração dos torcedores a vaquinha não teria arrecadado o valor pedido pelo Botafogo e Paulo Cézar continuou no Rio de Janeiro. O valor total das doações nunca foi revelado.
Em 1998 foi a vez da campanha “Disque Marcelinho”, lançada pela Federação Paulista de Futebol (FPF) para repatriar o meia Marcelinho Carioca, que vivia um momento conturbado na Espanha. Para liberar Marcelinho o Valência queria receber 7 milhões de dólares.
A campanha consistia em ligações para um determinado número de telefone, onde a torcida que mais ligações fizesse iria ficar com Marcelinho. Cada ligação tinha o custo de R$ 3 à época e ainda incluía o sorteio de cinco automóveis para os torcedores que participassem. A torcida do Corinthians saiu vencedora com 62,5% do total de ligações.
A FPF alegou que teve prejuízo com a campanha que segundo informações publicada no jornal A Gazeta Esportiva teve um total de “apenas” 470 mil ligações. Isso significa que os corinthianos fizeram cerca de 293,7 mil telefonemas.
No papel, a proposta da campanha da Gaviões da Fiel parece viável. Se cada torcedor doasse uma pequena quantia, o valor necessário seria alcançado rapidamente. Porém, a realidade é mais complexa. A atual conjuntura econômica do Brasil, marcada por inflação e dificuldades financeiras para muitas famílias, certamente influencia a capacidade de doação parte da torcida.
Além disso, muitos corinthianos questionam se o ônus da dívida da arena deveria ser assumido pela torcida ou pela diretoria, cuja gestão foi responsável pela construção do estádio. Esse tipo de questionamento é legítimo e reflete um sentimento de frustração com a maneira como o futebol tem sido administrado no país.
Com um prazo máximo de seis meses para arrecadação, a Gaviões e o Corinthians precisam acelerar o engajamento. Iniciativas que ampliem os canais de doação e ações que reforcem a transparência podem ser caminhos para reverter o cenário. No entanto, a experiência mostra que depender exclusivamente da paixão da torcida não garante o sucesso financeiro de campanhas como essa.
Em última análise, a campanha de arrecadação expõe tanto a força quanto as limitações de uma das maiores torcidas do mundo. O sonho de quitar a dívida da arena por meio da união da Fiel é uma bela narrativa, mas que ainda precisa superar barreiras práticas e emocionais para se concretizar.
Seja qual for o resultado, essa experiência será mais um capítulo da relação entre o Corinthians e sua torcida, marcada por amor, sofrimento e, acima de tudo, a crença de que "Aqui é Corinthians".
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Roberto Maia é jornalista e cronista esportivo. Escritor e editor do portal travelpedia.com.br
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